São Paulo, 05/10/2020 - A escalada recente dos preços dos módulos fotovoltaicos, principal equipamento de uma usina solar, tem impedido que os geradores se beneficiem da isenção de impostos concedida pelo governo brasileiro. A dificuldade em usufruir da medida tem provocado uma insatisfação entre os investidores, que dependem principalmente da importação de componentes chineses para a implementação dos seus empreendimentos.
Este ano, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, incluiu dezenas de tipos de módulos fotovoltaicos na lista dos chamados "ex-tarifários", concedendo a isenção de impostos de importação. Inicialmente, a medida foi bem recebida pelos empreendedores, que vinham sendo pressionados por custos mais altos de implantação, por causa da forte desvalorização da moeda brasileira perante o dólar americano.
As resoluções da Camex que incluíram os módulos fotovoltaicos na lista dos ex-tarifários definiram um preço CIF (com frete) unitário por cada tipo de componente. Ao cotar no mercado os equipamentos para a sua aquisição, muitos empreendedores descobriram que o custo unitário dos módulos ficava acima do preço-teto definido pelo órgão. Com isso, não conseguiam pleitear a isenção do imposto de importação.
"Esse hoje é um benefício difícil de ser concedido, porque foi colocado um preço CIF que considera um dólar na casa dos R$ 4, e hoje o dólar está acima dos R$ 5. É um benefício que qualquer importação feita ou a ser feita não vai conseguir utilizar”, disse o presidente da geradora solar Newen New Energies, Rodolfo Toni, em entrevista ao Broadcast Energia. O executivo afirmou que a alíquota de importação é de 12%, representando 5% do valor do investimento em um novo empreendimento solar fotovoltaico.
A diretora Comercial da Win Energias Renováveis, Camila Gusmão, confirma dificuldade relatada por Toni. A empresa, que atua como distribuidora dos sistemas fotovoltaicos e realiza a importação dos equipamentos, conseguiu efetuar importação de apenas um lote sob as novas regras do ex-tarifário durante a pandemia, quando o excesso global na oferta de módulos abriu uma janela de oportunidade para aquisição do componente.
Desde então, a empresa não conseguiu enquadrar a importação dos equipamentos nas regras do ex-tarifário. Segundo a executiva, três fatores estão pressionando o custo dos módulos: a alta do dólar, o aumento do custo do frete internacional e o encarecimento do preço dos equipamentos. "Quando se soma todos os custos, o valor final do produto acaba ultrapassando o limite estabelecido nas resoluções", explicou Camila.
Vários fatores explicam essa pressão sobre o preço dos módulos. Tradicionalmente, o custo do frete internacional sobe entre o terceiro e o quarto trimestre, mas Camila disse que, em 2020, a subida foi muito mais acentuada do que em anos anteriores. 'O frete da China passou de US$ 1,2 mil para US$ 7 mil", disse. A tendência é que esse valor mais elevado continue pressionando os custos até o ano novo chinês, em fevereiro de 2021.
Outra fonte de pressão foi o encarecimento do produto. No início da pandemia, o preço dos módulos fotovoltaicos teve forte com queda com excesso de oferta global, em razão do cancelamento ou postergação de encomendas. Com a retomada gradual da atividade econômica, esse quadro começou a se modificar. Camila também citou informações setoriais que dão conta que o governo chinês também interveio no mercado local para evitar a falência de fabricantes, efetuando a compra de módulos fotovoltaicos.
"Houve um aumento de 10% no custo do módulo fotovoltaico por Watt (W)", disse a executiva. Essa situação, inclusive, tem levado a uma escassez do equipamento vindo da China, provocando atrasos nas entregas no Brasil. "Isso tem levado à compra de módulos de outros fornecedores, com custos mais elevados", acrescentou Camila.
Efeito Câmbio
Contudo, o componente que mais tem pressionando o preço dos equipamentos é a taxa de câmbio. Segundo Toni, o dólar influencia em torno de 60% do investimento de uma usina solar, sejam os custos diretos (aquisição dos módulos), sejam os indiretos, como as matérias-primas utilizadas na fabricação dos outros equipamentos nacionais. "O dólar reajusta o aço, o alumínio, o cobre, entre outros itens", explicou.
Na teleconferência de resultados do segundo trimestre de 2020, realizada no final de julho, o gerente de Relações com Investidores da Weg, André Salgueiro, comentou que a empresa havia observado que vários empreendedores que negociaram energia nos leilões de 2018 e 2019 não haviam firmado contrato de compra de equipamentos e que tinham desistindo de antecipar a entrada em operação comercial dos seus projetos.
Segundo Salgueiro, a desvalorização do real e a forte queda dos preços da energia no mercado livre, em razão da retração da economia, são os fatores por trás desse tom mais cauteloso dos investidores. "A gente tinha um número mágico (para o preço da energia) da solar abaixo de R$ 100/MWh, mas ele começa a se tornar totalmente inviável. Inclusive, coloca em risco alguns empreendimentos que estão com a tarifa bem baixa, que é o caso das usinas contratadas no leilão de 2019", reforçou Toni, citando que alguns projetos solares foram contratados na casa dos R$ 70 a R$ 80/Mwh.
O descasamento entre a taxa de câmbio considerada pela Camex no cálculo do preço CIF e a praticada pelo mercado no valor dos módulos tem a ver também com o longo tempo de tramitação dos pleitos dentro do órgão. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, a concessão do ex-tarifário leva de seis meses a um ano, o que não é compatível com a indústria solar. "O setor é muito dinâmico, e muitos equipamentos entram e saem de linha rapidamente", justificou. A entidade adota um tom neutro sobre tema por ter associados de toda a cadeia do setor.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia afirmou que não há discussão para alterar os preços CIF e que "todas as publicações de concessão de ex-tarifários condicionadas ao preço máximo seguiram as regras definidas nas Portarias ME nº 309, de 24 de junho de 2019, e nº 324, de 29 de agosto de 2019, de conhecimento de todas as empresas desde o ano passado". O ministério lembra que o preço CIF é calculado com base na taxa de câmbio de venda do dia do peticionamento do pleito do benefício.
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